O DIA QUE EU DESCOBRI QUE DEUS É MÃE

4 de Março de 2024

Por Lulu Cirne

(Trecho de um diário de viagem de 3 semanas em um Ashram na Índia)

Ainda me invadem os pensamentos e o hábito de ter a mente constantemente dando voltas em alguma coisa que não dizem respeito ao momento presente, divagações, invenções e realidades paralelas sobre situações que já aconteceram, que poderiam ter acontecido ou que não irão acontecer (porque o futuro nunca é como se imagina). Mas ainda assim sinto que estou chegando, estou me abrindo, estou mergulhando na experiência. A ideia do guru, como me explicava um brasileiro que conheci aqui, é algo muito alheio à cultura ocidental. Somos mais individualistas (no sentido amplo da palavra), ou seja, cada um tem seu espaço, seus objetos, seus aprendizados etc. Na Índia, os espaços são coletivos, a vida é compartilhada, não necessariamente com simpatia e sorrisos, é simplesmente um dividir constante, sem olhar a quem, às vezes sem nem olhar para a pessoa mesmo. É por isso que o verdadeiro guru distribui seu conhecimento para todos, sem distinção. E os aprendizes têm máximo respeito por ele/ela, dedicam ao guru sua prática, sua reza, sua devoção. O guru é a personificação do próprio Deus, a integração, união de todos os deuses. É muito difícil para um ocidental entregar sua prática espiritual a outro ser humano, estamos acostumados a fazê-lo na intenção daquilo que não vemos, que é muito maior que nós. Na nossa visão poderíamos pensar que é loucura ou fanatismo, mas na verdade ter um guru é um ato de extrema humildade. É saber que você está aprendendo e alguém em outro estágio evolutivo nesta encarnação veio para te ensinar. Amma é a guru de todos aqui e de mais milhares de pessoas que a seguem ao redor do mundo. Durante quase 50 anos ela vem entregando abraços incansavelmente, a todas as pessoas que querem recebê-lo, além de todas as suas obras sociais, hospitais, escolas, faculdades etc. Como ocidental, a questão do guru é algo que me gera resistência. Todos que chegam aqui vão logo para a fila do abraço, mas eu demorei quase 4 dias. Durante o ritual do abraço, que no processo completo de espera, fila e depois ficar perto dela meditando deve ter durado quase 3 horas… não vi o tempo passar. A epifania que normalmente eu tenho quando chego ao topo de uma montanha, vislumbro uma paisagem natural ou entro em estado de meditação, eu tive ali. A sensação de que tudo está sendo regido, sustentado e abraçado pelo divino, ou melhor pela divina. Deus é feminino! Como nunca pensei antes? Se Deus é criação, ele é feminino-masculino. Deus é deusa, Deus é mãe, de tanto ouvir que Deus é pai, nunca pensei que o meu Deus pudesse ser mãe. Lembrei de visões antigas que remetiam a este momento, lembrei da maneira insólita que descobri a existência deste Ashram e então tudo fez sentido. Até a desaprovação de alguns à minha vinda para cá, fez sentido. O sentido já está no próprio caminho, é preciso confiar nele, como uma boa mãe que permite ao filho caminhar sozinho, confiando, vigiando e apoiando seus passos.

Mais inspirações!

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