Vale do Pati, Dezembro 2024
Diário dividido em 4 textos, um para cada dia de trilha na Chapada Diamantina, Bahia
Por Lulu Cirne
Dia 3: Segue o Fluxo da Vida
Hoje foi um dia de muita água, muito banho de cachoeira, de nadar nos rios. A água ensina a boiar, flutuar, tirar os pesos, mover-se coreograficamente para não afundar.
Uma vez me disseram que sou filha de Oxum, orixá das água doces. Outra vez completaram a informação de que sou metade Oxum, metade Iansã. Fez sentido, porque sinto uma conexão e uma calma muito grande nessas águas, mas também tenho um gênio forte e um poder de ação (que atribuo ao lado Iansã) muitas vezes movido pela alegria ou pela raiva. Acho que essas duas energias quando estão em equilíbrio me fazem ser doce e selvagem ao mesmo tempo, forte e vulnerável, firme e pacífica. Quando estão em desequilíbrio me sinto frágil, dependente e em conflito com meus próprios limites.
Em conflito ou não, a verdade é que não dá pra brigar com a vida, nem querer controlar seu fluxo ou remar para o lado contrário. Vejo uma águia sobrevoando o céu como ela se equilibra de acordo com o vento, ainda que saiba para qual direção está indo, usa o vento ao seu favor. Fico bastante tempo olhando para a água da cachoeira que corre, imaginando que está levando meus pensamentos intrusivos. Ela desvia das pedras, passa nos espaços vazios e segue o seu curso.
Às vezes os baques emocionais, a decepção e a frustração tornam mais difícil seguir o fluxo ou aceitá-lo. É como querer que essa água dê a volta e corra para o lado oposto. Ou que essa águia olhe para trás e mude a rota do voo.
A natureza em sua perfeição sempre me ensina que não há atrasos nem adiantamentos, que tudo acontece em perfeita harmonia. Coloco a cabeça embaixo da cachoeira por longo tempo intencionando me libertar das histórias que a mente inventa sobre o que nos acontece. Lembro de quando estive na Índia e me conectei com o desapego real, profundo, no qual nada da vida cotidiana, das circunstâncias ou acontecimentos eram tão importantes assim, tudo era parte de algo maior, mais elevado. A natureza também me leva para este lugar de confiança e esperança, de entrar no fluxo, de entender que somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.